Proerd SC: Mais de um milhão de crianças e adolescentes capacitadas pra dizer não às drogas e à violência
A Polícia Militar que muitos estão acostumados a ver atuando é aquela envolvida nas operações de repressão ao crime, no combate ostensivo do dia a dia. O atendimento a todo o tipo de ocorrência gera números e estatísticas que dão a dimensão deste trabalho. Não estão contabilizadas, no entanto, as histórias que estão inseridas nos trabalhos de caráter social e preventivo. Vidas que são salvas por uma orientação correta e profissional ou jovens que deixam de entrar no mundo das drogas, porque um dia foram preparados para dizer não. É o que ocorre com muitos participantes do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, o Proerd, da Polícia Militar. Em SC, mais de um milhão de crianças já foram capacitadas pelo modelo de tomada de decisão do programa
Com 20 anos de atuação junto às escolas catarinenses, o programa tem como missão ensinar aos estudantes boas estratégias de tomada de decisão para ajudá-los a desenvolver habilidades que os permitam conduzir suas vidas de maneira segura e saudável, livres do abuso de todo o tipo de droga e de comportamentos perigosos.
“Não é só falar sobre drogas, é preciso fortalecer a autoestima das crianças e dos adolescentes para que eles amadureçam a capacidade de dizer não às drogas, às situações de violência, saibam resistir às pressões do dia a dia, com a convicção de que fizeram a escolha certa”, explica a soldado PM Vanessa Marina Antunes, uma das coordenadoras do Proerd, em Santa Catarina.
A soldado comenta ainda que o instrutor do Proerd tem que estar capacitado e preparado para enfrentar todo o tipo de realidade e que precisa saber como envolver as crianças, trabalhar com as experiências que elas têm no dia a dia, para que o conhecimento seja repassado de forma efetiva e a relação seja construída com absoluta confiança.
Além da vontade de trabalhar em sala de aula, o policial instrutor do Proerd precisa passar por um curso de 94 horas e estágio. Os policiais acreditam que é fundamental o trabalho de prevenção ainda na infância.
“É importante trabalhar isso já nas idades iniciais. Nesta fase as crianças ainda veem nos adultos , nos professores, nos pais e no policial que está ali, uma referência muito forte. Fica mais fácil de reverter, de orientar, de ensiná-los a ter consciência do que é perigoso, do que faz mal para a saúde. Nosso trabalho é prevenir para evitar o primeiro contato com qualquer tipo de droga”.
Vanessa pondera que a margem para a atuação preventiva é estreita, levando em conta que, cada vez mais cedo, as crianças vivenciam situações de violência, e adultos, ao entorno delas, fazendo uso de drogas.
Proerd na sala de aula
O trabalho em sala de aula dura um semestre em cada turma, tempo suficiente para as crianças confiarem ao policial uma relação de amizade. Para a produção desta reportagem, acompanhamos uma aula na quinta série, da professora Daniela , na escola de Educação Básica Padre Anchieta, no bairro Agronômica, em Florianópolis.
Pontualmente às 13h30 o cabo PM Geovane da Costa Pereira inicia a aula. Fardado, com a voz firme e sorridente dá um boa-tarde em tom alto pedindo a mesma disposição por parte da turma. A professora vai para o fundo da sala e os cadernos dão lugar à apostila do Proerd.
O policial chama todos pelo nome e não poupa demonstrações de amizade com as crianças. Em uma hora de atividades, com os alunos bastante atentos e participativos, a turma comandada pelo cabo Geovane mostra-se unida e busca entender as consequências do uso das drogas ou do envolvimento com o crime.
“No dia a dia a gente nota que está fazendo a diferença na vida das crianças. O apoio é cada vez maior e o carinho que a gente recebe é impagável”, ressalta o professor do Proerd na Escola de Educação Básica Padre Anchieta, em Florianópolis.
Durante as aulas, são desenvolvidas atividades didáticas e lúdicas onde os alunos simulam situações reais de exposição às drogas e como agiriam diante delas. Os minutos finais do encontro são destinados a responder perguntas que não são feitas em público.
A caixa preta da quinta série
Sem identificação, em forma de bilhetinhos que são depositados em uma caixa, as crianças da quinta série escrevem perguntas para que o cabo PM Geovane responda ao final da aula do Proerd. Escritas a próprio punho, surgem dúvidas como: “O que acontece se você engolir aquele fumo de mascar?” Ou ainda: “Como lidar com a pressão de mais de uma pessoa?”, “Dá medo de tocar em uma arma?”
O professor responde, orienta, e, se não tem a informação correta na ponta da língua, se compromete em esclarecer no próximo encontro. As interrogações, embora anônimas, dão identidade aos inúmeros perfis de alunos com os quais os policiais trabalham em escolas de todo o Estado.
Se há os mais esclarecidos e em melhor condição social, segundo a coordenação do programa, também exiistem muitas crianças que já estão inseridas numa realidade onde o consumo, o tráfico de drogas e as situações de violência são comuns, inclusive no ambiente familiar.
A professora Daniela, do quadro docente da Escola de Educação Básica Padre Anchieta, não esquece a resposta de um de seus alunos quando ela comentou estar incomodada com o frio que fazia em uma das manhãs de inverno na escola. Segundo a professora, o menino retrucou imediatamente: “frio estava às 4h da manhã, quando fui ver meu pai na penitenciária. “Aquilo me tocou profundamente”, expressou a professora, ao afirmar que o garoto não é o único a enfrentar essa realidade. O pai estaria cumprindo pena por tráfico de drogas.
Conforme a professora Daniela, apesar de uma resistência no início, hoje as aulas do Proerd têm ajudado os alunos a entender o problema e as consequências do uso de drogas. “Pelo menos na escola, eles estão tendo a oportunidade de uma alternativa, que não a que se apresenta a eles, muitas vezes dando a ilusão de uma vida fácil, mas que no fundo é um caminho sem volta”, aponta a professora.
A formatura
A recompensa pelos seis meses de dedicação chega no tão esperado dia da formatura. O conteúdo dá lugar à alegria dos pais, alunos, professores, diretores de escola e dos policiais militares. Com música e muito entusiasmo eles celebram juntos o encerramento do curso e o empenho para que aquela geração ali se mantenha afastada das drogas, do crime e da violência. “A semente foi plantada, se ela der bons frutos, a missão estará completa”, disse o sargento PM Mauri, que comandou, ao lado de outros dois policiais instrutores, a formatura de mais de 700 alunos de escolas do município de Palhoça, na Grande Florianópolis.
Durante a formatura, como forma de estímulo, são sorteados brindes e a presença do mascote do programa, o leão “Daren”, garante animação e a coreografia da tradicional canção do Proerd. Neste momento, todos os participantes são convidados a repetir o refrão já bem conhecido: “Proerd é o programa, Proerd é a solução. Lutando contra as drogas, ensinando a dizer não”. A canção é um símbolo do programa e o nome do mascote remete ao DARE (Drug Abuse Resistance Education), inspiração norte-americana do Proerd, que surgiu em Los Angeles em 1983.
É contagiante e nos faz refletir bastante sobre como tratar desses assuntos dentro de casa. A gente vive numa sociedade em que é preciso instruir e proteger nossos filhos e é muito bom saber que a escola e a Polícia Militar são parceiros dos pais nesta missão”, disse Lucilene Silveira, mãe de um dos alunos formandos.
A diretora da escola de Educação Básica Claudete, em Palhoça, reforça que a estrutura familiar, assim como o ambiente que se constrói na escola são fundamentais para o incentivo à prática de bons hábitos e para a formação de cidadãos mais conscientes dos direitos e deveres do convívio em sociedade. “Na realidade em que a gente vive hoje, essa união de esforços e a prevenção evitam problemas no futuro. As famílias não podem perder os filhos para o mundo”, defende a diretora Monice Prudencio.
As crianças reiteram que o programa deixa lições importantes. “Foi muito bom pra minha vida. O Proerd me ensinou que eu devo ficar longe das drogas e da violência. É assim que eu pretendo agir no futuro”, afirmou o estudante Kauã Rodrigues. “As drogas podem fazer um estrago na vida da gente, assim como as más companhias. O Proerd me ensinou qual o melhor caminho a seguir”, acrescentou a aluna Beatriz Dutra.
Vínculos
A solenidade de formatura tem, o tempo todo, os policiais instrutores ao lado dos alunos. A amizade que construíram ao longo do curso é algo a ser demonstrado e cultivado, por isso, mesmo depois do término das aulas, os policiais, volta e meia, voltam às escolas para rever as turmas.
Com a tarefa cumprida, o desejo é que os reencontros sejam sempre em situações favoráveis. “A gente espera que essa geração não esteja em nossas ocorrências diárias, mas que a gente encontre futuros engenheiros, médicos, professores e policiais felizes e realizados, nos ajudando a construir uma sociedade mais justa, segura e responsável”, reforça o instrutor do Proerd, cabo PM Geovani.
“Não há segredo, há amor, e quando algo é feito com amor, cresce e floresce. Ao ajudar essas crianças e as famílias delas estamos fazendo bem a nós mesmos”, conclui o sargento PM Mauri. Estabelecer um vínculo duradouro entre a escola, a família e a Polícia Militar também é um dos objetivos do Proerd. Em Santa Catarina, mais de um milhão de crianças já foram capacitadas pelo modelo de tomada de decisão do programa – que visa manter crianças e adolescentes afastados das drogas e da violência, com dicas para o bom convívio social.
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